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sábado, novembro 11, 2006

A visão

Ele me chamou nesta noite. Eu estava ocupada a dormir e relutei um pouco antes de sair do meu sono profundo e acompanhá-lo além da minha cama confortável...

A grama verde e macia, bem cuidada se estendia além dos meus olhos.
Uma visão finita.
No centro o chalé num tom amarelo, somente um cômodo, pequeno e diferente.
Quanto mais me aproximava daquele lugar, eu sentia uma paz a invadir meu coração e acalmar meus pensamentos.
A luminosidade refletida nas paredes estreitas feitas de algum material leve.
O telhado baixo e recortado cobria a estreita varanda.
O chão de terra batida ou algum tipo de lajota cor marrom.
A rede na varanda e fiz como se fosse sentar nela, mas a voz me pediu para entrar.
A estreita porta no centro ladeada por duas janelinhas quadradas.
Não, não tinha janelas.
Apenas a abertura da porta ladeada por dois quadrados menores ao nível da janela.
Entrei devagar para saborear cada detalhe.
Em frente a porta outra abertura na parede, que se abria para um cenário lindo de muito verde, mas finito.
Do lado esquerdo, o pequeno e estreito colchão revestido por um tecido claro.
Senti o corpo cansado e uma vontade enorme de deitar ali, mas a voz disse que ainda não era a hora.
No canto à direita uma espécie de fogareiro de barro ou outro material desconhecido.
Apenas uma frágil chama.
Não havia nada que sustentasse o fogo.
Acima da chama uma jarra transparente.
O vapor lançava ao ar um perfume relaxante na cor azul.
Nada mais.
Perguntei onde estavam os outros móveis, mas a voz disse que quem vai para aquele lugar não precisa de alimentos e nem roupas.
Olhei novamente para aquele espaço intrigante e reconfortante.
Meu corpo ansiava deitar ali, ao chão, sobre o colchão.
Novamente a voz disse que não deixasse a impaciência cegar minha alma.
Em silêncio saí dali.
Fui caminhando descalça sobre a grama verde e macia.
O imenso gramado simetricamente formando um grande quadrado.
Quanto mais me aproximava daquele finito, era invadida pelo medo.
Eis que avisto o mar, as ondas furiosas batiam sobre o paredão de rochas enormes.
Embora o cenário fosse lindo parecia distante e inacessível.
Desci o olhar para o precipício bem abaixo dos meus pés e tive a sensação de que ia desmaiar.
Ergui meu olhar para o finito daquelas águas que pareciam estar a quilômetros de distancia.
Impossível descer sobre aquelas rochas bolorentas.
A voz disse que haviam quatro saídas.
Só então percebi que havia do outro lado, uma mata densa e espessa.
As árvores eram todas iguais, do mesmo tamanho e num verde claro.
Não ousei chegar mais próximo.
Galhos secos entrelaçados fechavam o acesso entre as árvores, formando uma cortina.
Estava muito escuro e senti medo de desafiar aquele lugar.
Mas tão logo eu estava na outra ponta do quadrado.
Ah que cenário mais belo!
Num nível muito mais baixo, via montanhas e planaltos a se estender ao infinito sob vários tons de verde.
Eu senti que minha alma poderia voar, senti medo de ousar.
Novamente o abismo bem aos meus pés.
Meu corpo vergava para frente, mas a voz me chamou pelo nome.
Foi quando avistei a noite.
Do quarto lado do retângulo uma trilha circundada pela escuridão negra e invisível.
Eu estava diante de uma tela viva que guardava cenas de outras passagens.
Mistérios que envolvem a minha alma.
Quis voltar ao chalé, mas a voz era grave e enfática.
Ainda não era minha hora.
Um dia África...

Respira liberdade entre velas lançadas ao vento
Indo mar afora içado pelas lembranças
Cenários diversos, verdes águas do seu mar
Castigo de algum deus ou devaneio de um guerreiro...

O sol candente cega seus olhos
A alma pede socorro ao mundo
O sangue jorra em taças de pecado
Lançando sobre a história uma flecha envenenada...

A vida se fecha como pétalas sob sereno
Sobre savanas desenha saudades
Uma busca sem encontros
Desejos de um corpo sem coração...

No seio da África a arma fuzila
Correntes humanas caídas ao chão
O ideal de liberdade, bandeiras arriadas
E o futuro morre no presente do seu passado...

(Livro - A Busca - querra colonial de Angola)